Uma voz de prisão que saiu pela culatra reviveu uma expressão que lavou a alma da pátria
A Dama e o Vagabundo foi produzido em 1955 nos estúdios Disney. Dirigido por Geromini, Jackson e Luske, um trio jovem e altamente sensível, esse longa inebriou gerações mundo afora e, um recente “remake”, manteve acesa a chama de mais um clássico da 7ª Arte ao relembrar a história de uma linda e sofisticada cocker spaniel, a Dama(Lady), e seu improvável romance com um autêntico vira-lata, o Vagabundo(Tramp), que se vale de malandragens e falcatruas para conseguir comida e sustento, espelhando diferenças entre classes sociais num singelo e despretensioso romance que ainda funciona muito bem no cotidiano mundano.
Vagabundo é uma entidade nociva e presente nas nossas vidas desde que o mundo é mundo, mas que parece, infelizmente, em ascensão na humanidade à medida que tentamos evoluir e nos civilizar ante as agruras impostas pela vida. Vagabundo não é apenas o preguiçoso, o errante e o andarilho sem norte. Vagabundo é um desocupado por opção. Um vadio por convicção, um insolente, um indolente. Vagabundo é um desprovido de honestidade e sempre volúvel em suas ações, invariavelmente oportunistas. Vagabundo é um malandro na acepção da palavra, cujas ações estrategicamente pensadas o talham à imagem e semelhança do canalha.
A expressão, embora clássica, veio à tona recentemente numa sessão circense em que se discute, numa saleta do Senado Federal, a triste pandemia brasileira que também assola, impiedosa e igualmente, os quatro cantos da Terra. A sofisticação daquele picadeiro é tal que classifico o referido Circo como um verdadeiro Music Hall digno das melhores salas da Broadway.
Os protagonistas principais do espetáculo, travestidos de seres de ilibada moral, de irretocáveis currículos e, sobretudo, de bastiões da honra, cumprem um papel totalmente fora do esperado script em relação aos depoentes, convocados como testemunha para ajudá-los em não sei o quê. Os caras são vistos como bandidos de alta periculosidade e induzidos de maneira sórdida a responderem o que estes verdadeiros Torquemadas desejam para suas conclusões maquiadas que incriminem definitivamente o PR.
Um verdadeiro Tribunal de Nuremberg do século XXI, onde os inquisidores estão pouco ligando para os nossos irmãos levados pelo micróbio malvado, mas pelo seu futuro político, locupletando-se de mentiras e narrativas que possam render-lhes dividendos junto a incautos eleitores. E aí, quando a versão brasileira de Tramp, de tantas “love letters” que mofam naquela Casa Suprema, ameaçou de prisão um cidadão honrado e transparente, uma alma caridosa presente na arquibancada do Circo desenterrou este vocábulo de tanto valor na nossa última flor do Lácio e que rendeu memes, hashtags e inspirações diversas nas redes sociais brasileiras.
Outros “Tramps” também agiram neste outro épico fim-de-semana de demonstrações inequívocas de apoio e popularidade ao PR. Ao mostrarem o ladrão perdoado com 55% de intenções de voto para 2022 e Huck como segunda opção para aquela cadeira do Planalto, os vagabundos do DataFolha mostram-se ou mentalmente lesados ou degenerados de caráter. Ou ambos! O mais provável.
Quando a mídia-extrema estampa que “dezenas” de apoiadores de Bolsonaro aglomeraram-se em Brasília neste sábado, depois que uma multidão pouco vista na história do Planalto Central foi lá dizer que autoriza o cara a fazer o que bem entender, sobrevém em mim o nojo. Talvez a sensação mais apropriada em relação a esta imprensa agônica. Nojo supera a indiferença, o descrédito e a desconfiança. Nojo é o asco sentido pela alma. Não tem paralelo no que de pior possa sentir um ser humano quando agredido na sua dignidade.
Que fique bem claro. Não é ódio. É nojo. Ódio e para os fracos.