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E não é que a Xuxa derreteu meu coração? Calma lá! Não estou falando daquela senhora loira de voz infantilizada, que há tempos não derrete nada — nem picolé no verão carioca. A Xuxa em questão é a gatinha mais simpática que já conheci.
E sejamos justos: gato simpático é quase um oxímoro. Felinos costumam olhar pra gente com aquele ar blasé, um tanto aristocrático, como quem faz favor de existir entre nós.
Mas a Xuxa, não. Durante a nossa estada em Arraial D’Ajuda, a gata British Shorthair do queridíssimo casal Deoni e José Geraldo Ribeiro, parecia ter vindo com um defeito de fábrica: era dócil, charmosa e sociável.
Foi tanto charme que me peguei refletindo sobre o milagre da transformação que ocorreu comigo há alguns anos: a conversão tardia de um sujeito indiferente a bichos para um devoto assumido do reino animal. E, convenhamos, milagre é isso — quando o impossível ganha CPF e residência.
No meu caso, a fé não foi minha. Foi de Thaïs e das minhas filhas, que durante 35 anos travaram uma campanha digna das sufragistas inglesas pelo direito de ter um cachorro em casa. E, como o tempo é um escultor paciente, um dia ele resolveu amaciar o mármore do meu coração.
Eu, que nunca quis proximidade com animais de estimação, comecei a mudar. Visitas a casas com pets eram um suplício. Cães sentem quando a gente não gosta deles — e aí fazem questão de te amar. Pulam, lambem, e te olham como quem diz: “você vai aprender a gostar de mim, nem que seja na marra”.
Até que chegou Bartô — abreviação charmosa de Bartolomeu Leão, nome pomposo no pedigree e irresistível na prática. Antes de sua chegada, tentei impor regras domésticas severas: nada de móveis roídos, tapetes molhados ou obras de arte reinterpretadas em estilo expressionista. Pois nada disso aconteceu. Bartô foi educado por Sidney e Fernando com diplomacia suíça e transformou nossa casa — e nossas vidas — num campo absurdamente feliz.
Logo veio Victoria, a Vic, outra Spitz, igualmente encantadora e igualmente dona da casa, do sofá, da cama e dos nossos corações. A casa virou um mosteiro da alegria, onde latidos substituem os sinos e o amor é servido em doses caninas, generosas e incondicionais.
E ainda há o adorável Zeca, o Spitz da Laurinha — minha neta linda — que, quando se junta à dupla, a festa é completa.
Bartô, Vic e Zeca me ensinaram uma lição que nenhum filósofo formulou com tanta clareza: o amor incondicional existe, tem rabo e quatro patas — e me tornou uma pessoa melhor.
E o que faltava para selar irreversivelmente minha conversão? Uma gata. Sim, senhoras e senhores, uma gata. Foi assim que, em Ajuda, a tal Xuxa pulou no meu colo, se aninhou e pediu cafuné. E eu, o mesmo homem que por seis décadas se dizia imune ao encantamento animal, me peguei bobo, risonho e feliz.
Quem diria? Sessenta anos de resistência à causa animal e bastou uma gata charmosa para eu me render de vez.
Hoje sigo convicto — e sem medo da máxima “língua paga” — de que Heinz Rühmann tinha razão ao dizer:
“É possível viver sem um cãozinho, mas ninguém merece essa pena.”
E, se me permitem acrescentar: sem um gato simpático também — embora isso seja quase tão raro quanto achar político honesto em alta temporada.