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Evitar a doença. Curar o doente. Aliviar suas dores. Eis a Medicina! Feliz Dia, doutores!
“Dr. Leão, favor comparecer à sala de Politraumatizados.” “Atenção Dr. Leão, Politraumatizados.”
Este tipo de chamado sempre ecoou nos corredores do Hospital João XXIII e é muito comum em Hospitais especializados em trauma. Perdi as contas de chamadas iguais a essa nos 37 anos que ali tive o privilégio de aprender sempre e, com esse aprendizado, ajudar alguém necessitado.
Há exatos 34 anos, deixei a sala dos médicos do “João” para atender o chamado da Isaura, tradicional telefonista da voz firme que conclamava e direcionava os doutores para a lida. Chego ao Poli e encontro Asmir, um rapazinho de 16 anos, com 40% do seu corpo queimado por acidente doméstico. Chorava de dor.
Queimadura é o quadro mais aterrorizante da medicina de urgência e nessa extensão, um dos mais graves da cirurgia plástica especializada. Não é só a pele, o maior órgão do corpo humano, que está seriamente afetada. Outros órgãos se ressentem até com maior gravidade, desencadeando uma cascata de alterações clínicas que requer um tratamento multidisciplinar competente para a solução desse quadro, invariavelmente dramático.
Asmir não desgrudava sua mão direita ilesa da mão de D. Áurea. Chamou-me atenção a serenidade daquela senhora. Muito embora com o fácies tenso e apreensivo, D. Áurea transmitia ao filho uma segurança e uma paz que transcendia o meu entendimento naquele momento. Essa mulher marcou-me indelevelmente quando, ao despedir-se do filho que entraria para o Bloco Cirúrgico comigo, pronunciou duas frases que hão de permanecer vivas no meu coração e mente até a eternidade. “A força do meu amor por você não o deixará sofrer, meu filho.” “Doutor, o Senhor está contigo”.
Foram 2 meses de internação. 20 dias de CTI por complicações pulmonares e renais. 14 cirurgias, entre curativos, debridamentos e enxertias de pele. E aquelas duas frases de tons vivíssimos davam-me uma força inexplicável. Nós, crentes em Deus, quando não nos restam técnicas, táticas e medicamentos, sempre esperamos por um milagre que é a materialização do que parecia impossível e está ancorado na fé. Esta mesma fé que sobrava em D. Áurea e que me contagiava irreversivelmente. Foram tantos e tantos pacientes iguais ao Asmir mas nenhum deles com essa força inexplicável.
Durante todos os dias de sua internação, lá estava aquela senhora franzina, de olhar sereno e semblante que transmitia paz, confiança e, sobretudo, esperança. Via o filho de longe. Mas não importava. A força do amor é inexplicável.
No dia da alta, recebi um abraço igualmente inexplicável. Há 34 anos recebo dois telefonemas de D. Áurea. Um no dia 4 de março, meu aniversário e outro no 18 de outubro, Dia do Médico. O de hoje inspirou-me a este texto. São fatos como esse que fazem nossa Medicina valer a pena, muito embora tão aviltada, vilipendiada e desrespeitada por políticas e políticos inescrupulosos.
Ser médico é uma opção de vida que se vive 24 horas por dia e que se inicia ato contínuo aquele extraordinário juramento saído da Ilha de Cós e que todos nos obrigamos, desde o século V a.C.
Com essa história fica a minha homenagem a todos os colegas desse verdadeiro sacerdócio, em especial à minha filha Luiza que, certamente, nunca se esquecerá que “Não é o diploma Médico, mas a qualidade humana, o decisivo”. Carl Gustav Jung.
Feliz Dia dos Médicos!