Atenção mulheres, não digam jamais “meu pretinho básico”, sob pena de linchamento moral.
Desde a sua primeira crônica n’O Globo, minha cara Danuza, passando pela excelente entrevista nas páginas amarelas de Veja, entendi perfeitamente o que você quis dizer em relação às estrelas de Hollywood vestidas de preto no último “Globo de Ouro” e na entrega dos Grammy, em protesto contra o assédio sexual às mulheres, mundo afora. Confesso que não enxerguei nada no seu texto que desse motivo à dupla interpretação.
Achei a crônica, como sempre, impecável! Tenho a nítida impressão de que os cronistas se entendem muito bem porque padecem do mesmo mal. Escrevemos em primeira pessoa, redigimos textos híbridos, opinativos, que exigem cumplicidade escritor/leitor, portanto expostos às mais variadas críticas, boas ou más, podendo haver, inclusive, melindres por parte de algum leitor que se sinta, de alguma forma, atingido por eles. Até aí, tudo bem! Faz parte do jogo.
O problema é que expressar-se, hoje em dia, virou caso de polícia, já que vivemos a era do famigerado “politicamente correto” que, sob minha ótica, é o que há de mais incorreto, politicamente falando.
Acabaram-se a naturalidade, a espontaneidade, as brincadeiras sadias e o romantismo de uma era vivida com total liberdade de expressão e com muito mais alegria pois não se procurava dupla interpretação e não havia preconização da maldade como nos dias de hoje. Uma era romântica, onde o preconceito, ou não existia ou não estava nas entrelinhas, como enxergam hoje os arautos da polêmica, da intolerância e da maledicência.
Enxerga-se preconceito em tudo. Temos que nos policiar 24 horas por dia com o que falamos, pensamos, vestimos, gesticulamos, enfim, com tudo que diz respeito às inter-relações entre humanos e destes com outros seres vivos. Sim, porque não podemos mais, por exemplo, num desabafo, esbravejar diante de uma orquídea ou de um arranjo de rosas colombianas sob pena delas se estressarem. Com animais de estimação então, um deslize como esse, na presença de testemunhas, pode dar processo e até cadeia. Por falar em “pets”, muito cuidado ao acariciá-los se estiverem junto aos seus donos. Mesmo que seja instintivo e espontâneo por achá-los fofos, isso hoje pode parecer assédio ou insinuações libidinosas veladas aos seus condutores.
Se formos flagrados cantarolando marchinhas de carnaval clássicas, portanto, atemporais como “O teu cabelo não nega, mulata”, “Nega do cabelo duro, qual é o pente que te penteia”, “Você é um negão de tirar o chapéu”, estaremos incorrendo em racismo explícito inafiançável. Pode uma coisa dessa? Se insistirmos na cantoria e embalarmos uma “Olha a cabeleira do Zezé, será que ele é, será que ele é?” certamente faremos companhia a Sergio Cabral e Eduardo Cunha em Curitiba, sem direito a banho de sol e tornozeleira eletrônica por incorrermos num delituoso preconceito “homossexual”. Pródromos claros do Apocalipse, meus amigos! Só pode!
Quando Danuza Leão escreveu que “toda a mulher deveria ser assediada pelo menos três vezes por semana para ser feliz”, referiu-se à paquera, ao galanteio, à troca de olhares, ao fiu-fiu, que, sem dúvida, massageia o ego, não só das mulheres, mas de qualquer ser humano. Não seria ela, com toda a bagagem de uma mulher muito à frente do seu tempo, apologista da insistência desmedida, da “forçação” de barra, do estupro, expedientes nefastos, inaceitáveis e medievais.
Nessa ordem de ideia e pensamento, quem leu algo pejorativo nas entrelinhas de Danuza, agiu igualmente de forma preconceituosa em relação à mulher do século XXI, totalmente independente, poderosa, dona de seu nariz e com força total para afastar os engraçadinhos de plantão. Pelo sim pelo não, só quero lembrá-las que, se forem a uma festa qualquer, refiram-se ao seu vestido da cor preta, se este for o escolhido para a ocasião, como um “afrodescendentezinho básico”. “Pretinho básico”, jamais. Sinal dos tempos ou paranóia? Eis a questão!
Minha solidariedade, Danuza. Pensamos igual. Não é por acaso que somos primos.
*Carlos Eduardo Leão é cirurgião plástico e cronista, membro da Academia Mineira de Medicina.
