Receita: doses generosas do elixir da esperança que transforma, revigora, enobrece.
Por ser um otimista incorrigível, tenho a ligeira impressão que o Dr. Waldemar Cláudio de Carvalho quis mesmo ajudar a pátria. Fazer o Brasil, mesmo que momentaneamente, esquecer um pouco as mazelas políticas que nos nivelam aos baixios patamares da sordidez, do deboche, do achaque, do acinte a que os poderes pátrios têm nos submetido. A Cura Gay, sentenciada pelo Meritíssimo, pode ter sido, mesmo sem querer, uma espécie de cortina de fumaça para desviar um pouco a atenção de tanta notícia ruim que nos assola nesses tempos de escuridão.
Foi isso, gente! Claro! Sua Excelência deve ter se baseado naquela famosa lei de Newton que, para toda ação sempre há uma reação de mesma intensidade e direção mas, em sentido oposto. Ou seja, algo grave, surreal, impensável, incompreensível como a política da corrupção só poderia ser neutralizada com algo também grave, surreal, impensável, incompreensível como a pretensa Cura Gay.
E não é que deu certo? Durante uma semana ou pouco mais do que isso nossos gravíssimos problemas, estes sim urgentemente necessitados de cura, passaram a coadjuvantes ante a possibilidade da cura gay. Algo feliniano. Algo metafísico. Algo típico de um país que agoniza. Mas não quero escrever sobre isso. Quero escrever sobre outra cura: a cura hétero.
Com autoridade de médico, imagino que a cura dos héteros doentes é a única saída. Pode ser facilmente conseguida, por exemplo, com o uso contínuo de dois comprimidos de tolerância a cada 12 horas. Uma cápsula semanal de convivência harmônica com as diferenças faria muito bem ao coração, diminuindo a pressão imposta pelo preconceito, responsável maior pelo entupimento das artérias dos cérebros hostis.
Seria muito bem-vindo um “Zé Gotinha contra a discriminação”. Os anticorpos criados pela vacina defenderiam os acometidos por esse mal torpe que os nivela quase à irracionalidade. Doses homeopáticas de solidariedade seriam, igualmente, um santo remédio para a agressividade imposta pelo mal da homofobia.
Os desagradáveis, os implicantes e os mal-educados poderiam ser tratados com drágeas de fraternidade e as recidivas, se acontecessem, seriam medicadas com a associação de um xarope de esperança que transforma, revigora e enobrece.
O mais grave dos sintomas que acometem os héteros doentes é a rejeição. E aqui, somente a injeção intravenosa de amor pode acabar definitivamente com essa mazela que contamina impiedosamente a alma, a mente e o coração. Eis aqui o tratamento definitivo do preconceito que atrasa uma evolução sem volta para a humanidade que vive o século XXI.
Não podemos mais aceitar que homens e mulheres gays sejam aviltados pelo preconceito e, sobretudo, pelo desamor. Não são doentes. São apenas irmãos que querem se juntar à multidão de iguais que pensam com liberdade, agem com personalidade e convivem com tolerância.
Aos que pensam diferente, que se permitam a interpretação do perdão, uma das mais vigorosas virtudes humanas que acontece aos que se rendem à força, ao poder e à beleza inigualável do amor entre iguais.
Amemos, pois, a vida! Amemos, pois, sempre! Aviemos, pois, essa receita!
*Carlos Eduardo Leão é cirurgião plástico e cronista
