Dê a quem você ama asas para voar, raízes para voltar e motivos para ficar.
Meu coração está apertado. Mais do que isso, dilacerado. Culpa irrefutável do amor que, por mais sublime que seja, se mal dosado torna-nos, por vezes, egoístas, ciumentos e, sobretudo, possessivos. Confesso, sem nenhum constrangimento, que tudo isso apoderou- se de mim ao despedir-me de minha Eduarda rumo a Los Angeles para uma pós-graduação em Engenharia Civil na Universidade da California em Los Angeles (UCLA).
“Os filhos são criados para o mundo”. “Os filhos crescem e batem asas”. “Os filhos são filhos da vida”. “Os filhos crescem e esquecem”. “Por isso deixará o homem a seu pai e a sua mãe” (Marcos 10-7). Estou careca de saber sobre essas frases de efeito, muitas delas usadas por mim para aplacar a ansiedade de amigos na mesma situação em que hoje me encontro. Uma coisa é falar pros outros. Quando é conosco o bicho pega com força.
Na verdade, eu queria mesmo minhas filhas só pra mim, que elas nunca crescessem, que não saíssem de casa sem minha escolta ou de Thais, que pudessem ser eternamente protegidas pelas nossas asas, que nos quisessem sempre como companhias, que não casassem, que não corressem riscos, enfim, nossas propriedades registadas em cartório, como efetivamente são, mas sem outros direitos que não o de serem eternamente nossas crianças.
Mas é sempre nessa hora que, mesmo não querendo muito, começo a ouvir uma voz enjoada, nada melodiosa, fria, implacável e com fortíssima prevenção com as coisas do coração. Ela atende pelo nome “razão”. A voz da razão freia ímpetos e sensações. Recoloca-nos em terra firme. Apruma sentimentos. Norteia o pensamento e abre a mente para a realidade da vida.
Segundo Saramago, “filhos são seres que nos emprestaram para um curso intensivo de como amar alguém além de nós mesmos, de como mudar nossos defeitos para darmos os melhores exemplos e, sobretudo, de como aprender ter ainda mais coragem para enfrentarmos a sua perda para o mundo. Perda? Como? Não são nossos. Lembram-se? São apenas empréstimos.”
Dalai Lama afirma que bons pais são aqueles que vão se tornando desnecessários com o passar do tempo. Embora possa parecer, à primeira vista, algo semelhante a desamor, explica-se o “desnecessário” como algo que nada tem a ver com o nosso amor incondicional de pai e mãe que é infindo, mas não deixar que a força desse amor provoque vício e dependência nos filhos a ponto deles não conseguirem ser autônomos, confiantes e independentes. Só assim estarão prontos para programar seu futuro, discernir sobre suas escolhas, superar frustrações e, por que não, cometer seus próprios erros e, por si sós, resolvê-los?
O que nos acalenta, como pais, na nossa maneira de criá-los é a certeza de que tentamos fazer o melhor para nos tornarmos “desnecessários”. Fundamental, também, é uma outra certeza, agora inerente a eles, de que estaremos sempre aqui como seu porto seguro para que atraquem nas mais diferentes horas e momentos de suas vidas e sempre com braços abertos para o abraço apertado, o aconchego e o carinho acalentado por um amor maior que o mundo.
Ao dar preferência à razão não abdico das coisas do coração. O amor que emana de nossos átrios e ventrículos e se espalha até a última célula dá o tom na nossa missão de prepará-los para a vida, para o mundo e para a liberdade. Para completar essas reflexões, reservo, aos que me leem, uma espécie de “Gran finale” evocando outra máxima do Dalai Lama, que diz: “Dê a quem você ama, asas para voar, raízes para voltar e motivos para ficar”.
Vão em frente, filhos. Sejam felizes e construam seus mundos.
‘She´s leaving home’ – The Beatles. Ouça:
*Carlos Eduardo Leão é médico e cronista.