Ou retornamos com o romantismo do nosso autêntico Carnaval ou seremos cúmplices de sua irreversível banalização arquitetada pelos malfeitores da pátria
Sei não, viu gente! Onde nós vamos parar é algo que amedronta. “O Maior espetáculo da Terra” desse ano deu o que falar e continua assunto não só no Brasil mas nos quatro cantos do planeta.
E tudo por causa de um vídeo deprimente que escancara o grau de degeneração de uma sociedade que pede socorro há alguns anos. Também conhecido como “Goldem Shower”, o referido vídeo já tinha sido compartilhado, retuitado e assistido por milhões antes do retuíte do presidente. Com a postagem presidencial, um “milagre” aconteceu neste carnaval, este mesmo onde o diabo humilha e vence Cristo e a Mangueira, dos presidiários e milicianos, vence o Carnaval mais lindo do país com um júri no mínimo suspeito. O “milagre” a que me refiro foi o despertar de uma onda de conservadorismo sem precedentes nessa esquerda maligna e imprensa tendenciosa que, antes de Bolsonaro, conceituavam o tuíte como arte e, depois dele, pornografia. O povo tá de saco cheio de vocês. Não nos enganam mais.
“Carnaval é alegria, cara! Deixa de ser ranzinza! Você tá ficando velho! Vamo pra rua!”, sussurra uma voz dentro de mim. Ouço com atenção, entendo, pondero, ouço de novo, avalio, re-avalio, leio sobre o tema, presto atenção aos comentários sobre o que foi lido, assisto às mais variadas opiniões. Conclusão: não é nem ranzinzice nem idade, mas uma constatação de que o Carnaval tem um poder que, talvez, só Freud explique.
O que leva um cidadão que trabalha duro até às 18 horas da sexta-feira, cansado, com salário atrasado e décimo terceiro sem receber, num país que não está nem aí pra sua saúde, segurança, educação, transporte, direito de ir e vir, esquecer tudo isso que lhe indigna, que lhe deixa p da vida e, às 18:30, fantasiado de mulher, com batons vermelhos e sutiãs grotescos, cair na folia como se nada de ruim existisse na sua vida? E, pior. E os que estão desempregados, sem dinheiro, sem perspectiva, sem futuro, sem dignidade? De onde tiram tanta inspiração pra essa alegria? Estarão mesmo alegres?
O que leva uma Escola de Samba, mesmo num país laico mas de reconhecida maioria cristã, assistir, com detalhes chocantes, grotescos e explícitos a apoteose de Satanás sobre Cristo? O que leva uma Escola de Samba homenagear figuras historicamente controvertidas como Zumbi dos Palmares, tido como o maior herói negro brasileiro, que só faz acirrar o racismo e o complexo de inferioridade entre irmãos negros e brancos? E exaltar Marielle como heroína? Porque foi brutalmente assassinada? Porque era negra? O que ela fez pra ser heroína? Heroína é Heyne Batista, professora que salvou 25 alunos na tragédia de Janaúba e morreu queimada pelo seu feito. Heróis são os bombeiros de Brumadinho, enlameados, sem salário em dia, sem décimo terceiro. Não são homenageados porque não dão ibope pra esquerdalha que incentiva os apupos ao presidente que entende que dinheiro é prioridade da saúde, da educação e segurança e não pros delírios de Momo.
Belo Horizonte, recentemente promovida à Meca do Carnaval de Rua do Brasil, tornou-se uma cidade impossível, improvável, impraticável de sexta à quarta-feira de cinzas. Sem nenhum planejamento urbano, com amadores à frente das mudanças no trânsito e principiantes perdidos numa gestão carnavalesca equivocada, deu margem às mais duras críticas de urbanistas consagrados por sacrificar e por em risco sua população, totalmente ilhada e sem acesso aos Hospitais, supermercados, shoppings. Não havia uma rota para urgências médicas ou para atividades ligadas aos bombeiros. A cidade fedia à urina. Rastros de destruição de seus belos canteiros são provas inequívocas do que virou a maior tradição cultural da pátria.
Vândalos simplesmente ou aqueles cidadãos, acima citados, o do salário atrasado e o desempregado, que chegaram cansados às 18 horas e às 18:30, ja fantasiados, utilizam suas alegorias e adereços como credenciais ao extravasamento de suas amarguras? Se, contudo, chegassem em casa, após orgias e vandalismos, com a certeza de terem resolvido os problemas que os assolam, poderiam justificar-se com o seu enquadramento na máxima de Maquiavel de que “os fins justificam os meios”. Infelizmente para eles, na quinta-feira, a vida é a mesma, no melhor estilo “me engana que eu gosto”.
Só Freud, gente!
Ou Bolsonaro, quem sabe? Não sei ao certo, mas boto fé no Capitão.
Por Carlos Eduardo Leão