Justiça, dignidade e liberdade são bens máximos e indissociáveis do homem probo
Lembro-me bem daquela bela casa na cidade alta, em Vitória, onde meu avô, Kosciuszko Barbosa Leão, morava. Vovô morreu em 1979 aos 90 anos e a casa está lá do mesmo jeito. Assisti “de camarote” à muitas posses de governadores e outras solenidades importantes já que fica em frente ao Palácio Anchieta, linda sede do Governo do meu Estado natal. Em seu testamento deixou o imóvel para a Academia Espiritossantense de Letras, sua grande paixão que presidiu por tantos anos.
Vovô foi um escritor importante que teve sua biografia citada na icônica Enciclopédia Delta Larousse. Sua obra inclui livros de Direito, Filosofia, Poesia e Contos. Foi jornalista do Diário da Manhã onde se destacou como crítico político de estilo elegante e combativo. Um dos mais influentes advogados de seu tempo, foi diretor por 15 anos da Faculdade de Direito de Vitória-ES e professor emérito de “Introdução à Ciência do Direito” e “Direito Penal”.
Muito provavelmente, no seu íntimo, eu tenha sido sua grande decepção por não seguir o Direito. Desde que comecei a me entender por gente ouvia meu avô falar sobre as leis. Falava com um encantamento contagiante. Ficava feliz com o meu interesse e discutia comigo de uma forma tão didática que me encantava.
“Elas não existem apenas para que haja ordem social ou meramente para cumpri-las. Tampouco para que as pessoas que a infrinjam paguem pelos seus atos. Elas existem para que haja justiça, Carlos Eduardo”, dizia com empostação de grande orador que encantou gerações de juristas.
“E você sabe pra que serve a justiça, meu filho?” perguntou-me com autoridade. “Pra não haver injustiça, vovô?”, respondi com essa tímida e óbvia pergunta para o seu total deleite. “De uma certa maneira, sim. Ao defendermos nossos direitos, ao separarmos o certo do errado, o bem do mal, premiarmos os bons e punirmos os errantes, colocamo-nos ao lado da justiça”, respondia com aquele olhar de carinho que não se apaga de minhas lembranças.
“Nunca se renda às injustiças, meu filho. As leis e regras existem para aqueles que se dispõem a praticá-las e, por essa máxima razão, cumpri-las. Não se cale diante delas sob pena de você perder seus direitos, sua liberdade e, sobretudo sua dignidade. Reze com seu avô e nunca se esqueça desse conselho que você deverá passar à sua descendência: A dignidade do homem é uma virtude sagrada e inegociável, meu filho.”
E lá vinha tia Laurinha com a sua indefectível limonada e broa de milho, uma espécie de hora do recreio quando conversávamos amenidades. Minha irmã Silvana, mesmo mais nova, ouvia tudo com atenção
Nesse dia, na hora da despedida, vovô levantou-se, acompanhou-nos até à porta e, numa espécie de “gran finale”, disse, na sua cativante serenidade “os homens justos, Carlos Eduardo, ciosos de seus direitos e unidos pela justiça eterna são fortes e invencíveis. Nunca se esqueça disso, Ok?” E eu nunca mais me esqueci.
Instigante como tudo isso aflorou à minha memória, justo agora. Talvez pela saudade que, às vezes, bate forte? Será? O engraçado é que veio muito nítido como se ele quisesse reforçar seus postulados.
Vovô foi um patriota. Pode ser por aí…