“Dr. Leão, a produção do “Programa do Jô” ligou querendo falar com o senhor. Ligarão mais tarde”, disse-me Daniela, a competente gerente da Clínica à época. Notei um misto de fascínio e, ao mesmo tempo, incredulidade na sua voz. “Só pode ser trote, né Dani? Deve ser coisa do Alex Schott, aquele gozador inveterado.”
Não foi trote. Dois meses depois estava em São Paulo com Thaïs, mais especificamente naquela famosa emissora, num camarim elegante, personalizado, uma equipe de apoio impecável, à espera de um momento mágico em minha vida.
Jô não foi apenas o maior entrevistador brasileiro de todos os tempos. Jô foi um homem raro, desses que nascem a cada século como Pitanguy, Tom, Vinicius, Drumond, Pelé, todos insubstituíveis que lutam um dia, um ano, muitos anos, a vida toda e por isso são imprescindíveis na visão genial de Brecht.
Fui o terceiro a ser entrevistado numa quarta-feira de outubro de 2013. O mote do bate-papo foi o Bisturi Leão que inventei pra operar calvície, um instrumento simples, despretensioso, eficiente, longevo que há mais de 20 anos ajuda os cirurgiões de restauração capilar.
A sensação de estar diante daquele personagem único da televisão, do teatro e das letras foi algo indescritível e ao mesmo tempo desafiante tamanha a responsabilidade que tive ao responder suas perguntas sempre inteligentes, perspicazes, algumas vezes capciosas, outras desconcertantes que faziam do seu Programa, de máxima audiência, a máxima expressão do talk-show brasileiro.
Oito anos depois, a repercussão daquela conversa continua completamente viva e, certamente, um divisor de águas em minha vida profissional. Pouquíssimos cirurgiões plásticos tiveram essa única e definitiva oportunidade de estar frente a frente com o maior entrevistador do Brasil desde sempre. Continuo sendo o mesmo médico apenas com um diferencial que somente aqueles que desfrutaram da sua aura, inteligência e especialíssimo “savoir-faire”compreendem a força e importância dessa arte, reconhecida por todos os meus pacientes, colegas e amigos.
“O senhor esteve no Jô, né doutor?”, repete-se desde aquele dia que mudou minha vida pra sempre e melhor. Sinto nitidamente que os pacientes nos vêem com um olhar de admiração pela honraria de ter sentado ante o mito. Os amigos orgulham-se. Os parentes envaidecem-se. É a força da genialidade que habita o espírito desses diferenciados que, por sorte, passam indelevelmente em nossas vidas.
“To achando esse texto meio clichê, Cadu”, argumenta o Fradim que habita em mim. “O brasileiro tem a mania de endeusar todo mundo que morre. O cara foi um esquerdista caviar, beneficiou-se da Lei Rouanet, tava do lado da patota contra o PR. Acorda, homem! Lembra daquela entrevista com Dilma em que ele beijou a mão da anta e a chamou de rainha? Tá louco? Revise esse texto aí!”
Nada nessa vida, nem mesmo a nossa mais profunda divergência ideológica, apagará minha admiração. O Brasil perde um máximo brasileiro e pranteia a passagem do grande entrevistador, escritor, ator, diretor, ensaísta e incomparável comediante que sempre dividiu com Nélson Rodrigues a glória de ser o mais ilustre torcedor do nosso Fluminense. Permita-me apenas parafrasea-lo e dizer-lhe que “a morte é uma pena, um pecado!
Que Deus pese suas grandes qualidades na hora do Juízo Final.
Muito obrigado por tudo!
Em tempo: Dedico esse texto aos queridos amigos Ronaldo e Arnaldo, ambos Cezar Coelho. Tenho certeza que contribuíram imensamente para esse encontro.