A ‘moral’ puritana brasileira atingiu sua apoteose no Carnaval de 2018.
Sinceramente? A coisa superou, e muito, o razoável. Diria até que extrapolou os limites do tolerável e invadiu desmedidamente o aceitável. Refiro-me à ditadura do “politicamente correto” que tenta, de toda maneira, escravizar o pensamento contemporâneo tolhindo-o à naturalidade e à espontaneidade, características da liberdade de expressão, hábito, atitude, enfim, tudo aquilo que, muito pouco tempo atrás, nos fazia felizes e não sabíamos.
O termo “politicamente correto” serve para descrever a esquiva de linguagem ou ações vistas como excludentes e que marginalizam ou insultam grupos de pessoas vistos como desfavorecidos ou discriminados. Até aqui tudo bem. Em matéria de conceito a nota é dez, principalmente quando se trata de uma das mais nefastas entidades da convivência humana, o preconceito.
Acontece que a política do “politicamente correto” (PC) fugiu ao controle. Está excessivamente radical, controladora, cerceando o sagrado direito da livre expressão e tentando criar uma nova regra de pensamento para o mundo.Trata-se, portanto, de um fenômeno mundial cuja crítica, que se repete nos quatro cantos da Terra, assemelha-se ao que escrevo neste momento.
E todo esse “trabalho” que estou tendo nesse período carnavalesco foi inspirado por um certo grupo, afeito ao PC, que tentou de todas as formas ditar regras para o “maior espetáculo da Terra”, o Carnaval brasileiro, determinando que sete tipos de fantasias deveriam ser banidas dos desfiles, blocos, bailes e festas carnavalescas por atentarem violentamente contra pretensos excluídos, discriminados e desfavorecidos.
Portanto, fantasias como “Nega Maluca”, “Índio” e “Cigano”, devem ser proscritas já que, segundo o grupo, têm um alto teor de racismo aliado a um deboche velado sobre civilizações primitivas que enxergam nas fantasias de carnaval com tais temáticas um verdadeiro insulto às suas tradições de povo e nação. A primeira, seria um desrespeito intolerável à mulher negra. Uma apropriação cultural racista com a finalidade de ridicularizar as afrodescendentes. Especificamente sobre os índios, questiona-se de que adianta usar um cocar e divertir-se com ele se a população indígena é vítima de genocídio? Dá pra acreditar? Os ciganos, por sua vez, têm sua cultura deturpada, reduzida e estereotipada em meros badulaques e bandanas com lantejoulas douradas. Surreal, não?
Fantasiar-se de “Doméstica” ou “Enfermeira”, evidencia nítida relação de poder entre classes profissionais na sociedade e, por se apresentarem normalmente em trajes curtos e sensuais, explicita uma odiosa cultura machista e sexualizada sobre elas. Nem Fellini, no auge de suas geniais misturas de fábula com sonho e realidade, pensaria de uma maneira tão deturpada, tão felliniana!
Por fim, aos que me leem, não cometeis a heresia de fantasiar-se de “Iemanjá” ou “Muçulmano”! A divindade do Candomblé e da Umbanda já sofre o suficiente com a intolerância e racismo e usá-la como fantasia é prova cabal do desrespeito com essas religiões. Incorre no mesmo delito quem se veste com roupas e adereços usados por muçulmano por ser um flagrante desrespeito à crença islâmica. Perdoem-me, mas até Deus duvida da existência de pensamentos tão distorcidos.
Outro dia, escrevi, nesse mesmo espaço, algo sobre o risco que estamos correndo de perder a naturalidade, a espontaneidade, as brincadeiras sadias e o romantismo de uma era recente vivida com total liberdade de expressão e com muito mais alegria. Não procurávamos dupla interpretação e não havia preconização da maldade como nos dias de hoje. Uma era romântica, onde o preconceito, ou não existia ou não estava nas entrelinhas, como enxergam hoje os arautos da polêmica, da intolerância e da maledicência.
Isso precisa ser urgentemente equacionado sob pena de vivermos uma era de insustentável convivência. Carnaval então, nem se fala!!
Em tempo, apenas a título de curiosidade em relação aos radicais de plantão: em se tratando de teoria de gênero, assunto em voga hoje em dia, a quem estaria ofendendo o simpático, alegre, e extrovertido cantor, compositor e drag queen brasileiro, Pablo Vittar, sucesso retumbante do Carnaval 2018? Minha mulher e minhas filhas não se sentiram ofendidas. Muito menos, eu.
*Carlos Eduardo Leão é cirurgião plástico e cronista