Vou pintar o cabelo. Tá decidido. É só o corona dar um tempo que eu corro pro Eduardo do Tif’s e resolvo esse problema. Para os que não me conhecem pessoalmente, desde os 30 convivo com minha cabeça branca, tida e havida pela minha mulher e filhas como um “item de charme”, algo intocável sob pena de não me quererem em seu convívio caso apareça com as madeixas negras ou com qualquer um dos seus 50 tons. A bem da verdade, este suposto “charme”, que tanto envelhece, não se aplica à elas, nossas adoráveis mulheres.
Logo após a entrevista do Mandetta, em que ele recomenda ao invés das sórdidas TVs, procurarmos por leituras edificantes, exercícios físicos, convivência domiciliar e caminhadas ao ar livre pelos desertos das cidades, resolvi dar uma escapulida, com minha mulher, até ao Carrefour, dois quarteirões do meu prédio, quando ouvi uma voz das alturas, “Volta pra casa véio!” Confesso que fiquei arrasado. Embora iniciante no status “idoso”, não me sinto como tal. Tento me cuidar fisicamente, não tenho comorbidades, sinto-me muito bem disposto além de, como médico, saber o que realmente podemos ou não fazer nessa insuportável mas necessária quarentena.
“Foi alguém da esquerdalha”, pensei em voz alta. Thaïs concordou. Enchi-me de razão e resolvi estender minha caminhada por mais 3 quarteirões até à Araújo pra compras da moda tipo Álcool gel e assemelhados. Pra mal dos meus pecados, um carro da Guarda Civil estava estacionado em frente à Drogaria. Um simpático guardinha veio em minha direção orientando-me permanecer em casa. “O senhor deve ter mais de sessenta e é arriscado”. “Você tá mesmo achando que eu tenho mais de 60, filhinho?” perguntei já meio “p” pois era a segunda punhalada em menos de 10 minutos. “Pelo menos cabelo branco o senhor já tem de sobra, né?, arremata esse insensível filhote de Adolf Witzel.
À tarde parei, por um instante, numa vaga de idoso enquanto minha filha pegava uma encomenda culinária próximo ao Pátio Savassi. Estava num esportivo, ainda por cima vermelho. Uma X5 aproxima-se, buzina forte e, pelo retrovisor, vejo, ao volante, um jovem esbravejar, gesticulando efusivamente para que eu saísse de sua vaga. Abro a porta, e com aquela típica dificuldade de sair de um carro que fica a menos de 10 cm do chão, mostro minha cabeça puxando e mostrando minhas madeixas brancas. O cara se aproxima, baixa mais o vidro da janela, ao seu lado um senhor idoso, e vocifera “Isso não é carro de velho, porra!”. E arranca com os seus 350 cavalos de força, de ânimos exaltados e de preconceito.
E falando em salão de beleza, não sei o que será pior para a humanidade, ou o pico da quarentena ou o pico das necessidades femininas realizadas no interior desses recintos. Imaginem raizes brancas, buço aparente, unhas de porcelana com trincas, cutículas, pés, mãos, escovas progressivas, tudo vencido ou com data de validade próxima do fim. Será algo pior que greve de caminhoneiros. Prefiro nem pensar. E aqui em casa são quatro a serem acalmadas. Pelo menos para o coronavírus ainda há esperança na hidroxicloroquina.
Mas pior mesmo está Cristiano, tão amigo que nem cabe inteiro no coração. Além de cabelos brancos e parcos, a quarentena tá aguçando sua personalidade, diria, sistemática. Daniela está à beira de um ataque de nervos. O cara comprou todo o estoque de cloroquina da cidade. Só de álcool gel, dois alambiques. Máscaras cirúrgicas, o suficiente para mais 5 a 6 pandemias. Lava tanto a mão que não tem mais impressões digitais. Sushi e Cookie, coitadinhos, estão com suas patinhas mais estéreis que sala de cirurgia de oftalmologia. Pelo visto, nossas mesas de carteado, bons papos e bons vinhos, só em meados de 2021.
É o Efeito Corona, uma versão atualizada da teoria do caos que já mexe com o nosso psique.