“Cadu, sexta que vem, almoço lá em casa, no Condomínio, em homenagem ao Leão e Evani. Não esquece. Daqui a uma semana. Avisa a Thaïs.”
Era Ricardo ao telefone, com aquela voz de quem acabou de sair de um spa ayurvédico ou de um banho de ervas na Chapada. Ao lado, a Cris, sempre doce, refinada e elegante.
Amigos-irmãos, desses que a gente ama como se fosse cláusula pétrea da Constituição emocional. Só que, diferentemente do afeto que sinto por eles, o mesmo não posso afirmar pelo “local do evento”.
Para os desavisados, a casa do Ricardo fica num Condomínio chiquérrimo (ou chiquíssimo, como soletraria a Cíntia Chagas com sotaque de copo de cristal) enfiado no meio de uma mata virgem em Rio Acima que, como o nome sugere, fica acima de tudo: da cidade, do sinal de celular e, principalmente, da minha zona de conforto.
A casa é um monumento modernista digno de aplausos: Niemeyer nos traços, Sérgio Rodrigues nos móveis, Tenreiro nos detalhes e Zalzupin no nome difícil de pronunciar depois da terceira taça.
Uma arquitetura que beira a poesia, principalmente se a poesia for de concreto armado e borda infinita.
“Claro que vamos!”, respondi animadamente, enquanto anotava mentalmente meu kit de sobrevivência nessas paragens que me remetem a roça: reforço da vacina de febre amarela, meio Prozac na véspera, outro meio ao acordar, e meio Rivotril sublingual como plano B. Ricardo riu. Mas sabe, como todo bom amigo, que por trás da piada mora uma verdade com CPF e identidade.
Sim, é coisa de alma. Eu sou alérgico à quietude. Tenho pânico de serenidade. Dá nervoso ver um lago imóvel. Mico? Só se for de tênis e no terceiro piso do BH Shopping. Jacú? Talvez, mas só se vier grelhado e acompanhado de risoto.
E aquela sinfonia de cigarras ao entardecer me parece menos Villa-Lobos e mais trilha sonora do longa “O Exorcista”.
“Olha esse silêncio, Cadu. Escuta isso!”, dizia Ricardo com os olhos brilhando. Eu escutei. Escutei o nada. E no nada, meu amigo, mora o desespero.
Disfarçadamente, pus o outro meio Rivotril debaixo da língua enquanto sorria com os olhos arregalados. “Sinfonia de cigarras, Ricardo? Tu tá de brincation with me? Ficar olhando pro lago por horas? Em duas eu tô morto e enterrado, de tédio.”
O cara sabe: meu elemento é concreto, meu habitat é praça de alimentação. Prefiro o barulho de fritadeira do Outback à contemplação das libélulas copulando em slow motion no espelho d’água.
E aquele papo de “30 minutos do BH Shopping até aqui”, Ricardo deve ter medido com uma régua de fadas. Foram 72 minutos cravados, 812 quebra-molas, 4 crises existenciais e uma hérnia de disco emocional.
Ao chegar, ainda dolorido do braço por causa da vacina e com a alma encalorada pelo esforço espiritual, encontrei Jorge e Sandra, querido casal paulista, elegante e igualmente fora d’água. Jorge estava com a tez entre azul e lilás: “A chave caiu enquanto eu estava ensaboado. Tive que terminar o banho com água da nascente”. Pela cor arroxeada do homem, a nascente devia ser da Antártida.
E veio o vinho. Um Pinot Noir da Borgonha que, de tão bom, fez até o silêncio ganhar gosto. Ricardo, já na sétima taça, começou a misturar relâmpago com aurora boreal. Eu só pensava: “Jesus, cadê a civilização?”
A aurora-bombardeio virou temporal, seguido de “queda de chave” — o fenômeno mais cafona e frequente desses redutos ecológicos. E com isso, a noite caiu, o mosquito subiu e eu contabilizei 38 picada só nas partes visíveis.
Mas quer saber? Sobrevivi. E mais: gostei. O lugar é paradisíaco. Mas finge que não falei isso. É segredo nosso.
A verdade é que, entre uma cigarra e um mico, encontrei um dia extraordinário com Thaïs e amigos de alma, desses que fazem até floresta parecer shopping center em liquidação.
Mas poderia ser em BH.
Cronica com a digital do Cadú. Português impecavel, exageros e o folclore rural que o persegue. Mas sou testemunha de como fica a vontade em qualquer lugar, desde que esteja com os amigos. Sempre é o centro das atenções com seus casos e suas piadas. BRAD
Oh, dó… Que pena não ter tido tempo para contemplar com serenidade a beleza do lugar, que enche nosso espírito de paz e luz! E que também nos traz pensamentos transcendentais e emoções puras! Mas, pelo menos, os amigos lhe trouxeram aconchego e a alegria que um bom vinho ajuda a apreciar.
Gosto muito do que você costuma escrever, mas, como amo o Canto das Águas, fico triste quando alguém vê mais os problemas (mosquitos, pernilongos, cigarras) do que a maravilha do presente que Deus nos deu… e que Ricardo e Teresa Cristina tanto amam e cuidam.
Eles fizeram a recepção ao grupo de amigos com o maior carinho e satisfação.
Pelas fotos que postaram, todos vocês estavam lindos e risonhos.
Um abraço para todos
Como escreve bem! Quanta erudição! Tanto carinho com seus amigos- irmãos! Mas.estou temerosa… Acho, que você vai ser ^incluído fora” da próxima lista de convidados!!!