Precisava de um “laboratório” fidedigno para escrever esse texto. Precisava sentir o astral, o estado de espírito, a animação, as fantasias, as temáticas, enfim, tudo que necessitava para dissertar, sem paixões e com total isenção, sobre o “maior espetáculo da terra” – o Carnaval brasileiro 2023.
Eu, minha linda esposa e meus dois adoráveis Spitz, Vic e Bartô, saímos a pé por algumas ruas da Savassi, em BH, hoje um dos polos carnavalescos mais importantes do Brasil. Enquanto caminhávamos, e com a imprescindível ajuda de Thaïs, um fenômeno de memória musical, lembrávamos de letras de antigas canções carnavalescas ou alusivas à apoteose de Momo. Impressionante como continuam atualíssimas e tanto me servirão na continuidade desse texto.
Notei uma alegria hipócrita, ou seja, uma pseudo-felicidade vestida com roupas e adereços tão diferentes de outros carnavais. Uma festa burocrática, escrava do politicamente correto.
Nenhuma tradicional fantasia de “Nega Maluca”, “Índio” ou “Cigano”, hoje tidas como um deboche velado sobre civilizações primitivas com alto teor de racismo. Ou seja, uma apropriação cultural indébita e xenofóbica com a finalidade de ridicularizar as afrodescendentes, os indígenas e os zíngaros itinerantes. Surreal, não?
Fantasiar-se de “Doméstica” ou “Enfermeira” então, nem se fala! Evidencia nítida relação de poder entre classes profissionais na sociedade e, por se apresentarem normalmente em trajes curtos e sensuais, explicita uma odiosa cultura machista e sexualizada sobre elas. Nem Fellini, no auge de suas geniais misturas de fábula com sonho e realidade pensaria de uma maneira tão deturpada.
“Carnaval, desengano. Deixei a dor da frustração e a desesperança no Brasil de hoje, em casa me esperando. Não brinquei não gritei e nem fui vestido de rei”. Procurei uma fantasia de palhaço mas não encontrei. Ave cerveja! Ave cachaça! combustíveis essenciais dessa pseudo alegria. Cadê a brincadeira ingênua, a espontaneidade e a irreverência sadia de outrora? Carnaval hoje é “ópio do povo”. 4 dias pra encher a cara, cair na putaria explícita e tentar esquecer as mazelas do cotidiano, da política e da vida.
“O teu cabelo não nega, mulata! Mas como a cor não pega, eu quero o teu amor! Do mesmo jeitinho, índio quer apito e, se não der, pau vai comer! Vale tudo no carnaval! Vale o que vier! Vale o que quiser! Só não vale dançar homem com homem, nem mulher com mulher!”
Em 2018 escrevi sobre o “Politicamente Correto” que serve para descrever a esquiva de linguagem ou ações vistas como excludentes e que marginalizam ou insultam grupos de pessoas vistos como desfavorecidos ou discriminados. Portanto, em matéria de conceito a nota é dez, principalmente quando se trata de uma das mais nefastas entidades da convivência humana, o preconceito.
Acontece que a política do “politicamente correto”, presente também no Carnaval, fugiu ao controle. Está excessivamente radical, controladora, cerceando o sagrado direito da livre expressão e tentando criar uma nova regra de ditadura do pensamento.
Mesmo com “tanto riso, tanta alegria, somos mais de mil palhaços no salão da pátria. Verdadeiros Arlequins chorando pelo amor da liberdade, no meio da multidão”.
Confesso a vocês que “eu tenho tanta alegria, adiada, abafada, quem dera gritar! To apenas me guardando pra quando “aquele” Carnaval chegar!”
E há de chegar… Mais cedo do que muitos pensam.