A convivência com as coisas chatas do cotidiano vão minando nossa paciência podendo nos transformar em verdadeiros ranzinzas. Temos que tomar muito cuidado!
Quanto mais amadurecemos mais nos tornamos críticos, exigentes e seletivos. É a ordem natural da vida. Talvez o ônus da experiência ou até mesmo o preço da evolução, diria. Alguns, porém, extrapolam e, de tão críticos, atingem a patente de “ranzinza”. Ranzinzice é um tipo de status adquirido com a convivência com os chatos da vida e suas teorias, hábitos e modos igualmente chatos. O chato é uma entidade em ascensão no mundo.
A intolerância com as coisas chatas do cotidiano, em qualquer âmbito da convivência, vai minando nossa paciência e, sem que notemos, vai nos tornando ranzinzas. Quem de nós não está de saco cheio com o “Lula livre”, ou com “Quem matou Marielle?” ou ainda “Fora Bozo!”. Ninguém aguenta! E aí, meus amigos, eis que surge, altaneiro, o “estado de ranzinzice” que vem afetando os mortais desse início de século.
Confesso que fui atingido por esse “vírus” e passo a dividir com vocês algumas de minhas muitas prevenções contra certas chatices que aguçam a latência de minha ranzinzice. Uma delas, de ordem religiosa. Ontem fomos à uma celebração de Bodas de Ouro. Com todo respeito à fé, que me perdoem as crenças e os crentes de qualquer credo, mas dar as mãos aos vizinhos de banco nas diversas e diferentes igrejas e abraçá-los desejando paz e amor é algo, no mínimo, constrangedor. Se ficasse apenas entre os vizinhos da direita e da esquerda seria apenas chato. Mas tem “irmãos” que deixam seus lugares, duas a três filas à frente, e saem abraçando a igreja inteira. Isso extrapola o entendimento. É chato demais!
Aproveitando esse ensejo, fico encafifado com o beijinho que a maioria das pessoas dá no dedo indicador da mão direita logo após fazerem o sinal da Cruz. Também me pergunto o que representa repetir o gesto, sempre por três vezes e rapidamente. Por que não duas ou quatro e mais pausadamente? Não acho ruim. Apenas queria saber. E aí me pergunto: curiosidade pura e simples ou pródromos de ranzinzice em fase inicial?
Mudando de foco, embora os gestos de fé acima tenham tudo a ver com eles, uma coisa que muito me intriga é a necessidade que têm os jogadores de futebol de fazerem média com suas escolhidas beijando a aliança na comemoração do gol. Acho de uma breguice transoceânica! E o coraçãozinho feito com as mãos, arrancado do peito e jogado em direção à torcida? É de doer! A bola por debaixo da camisa simulando uma gravidez prefiro não comentar sob pena da minha inspiração desaparecer e não conseguir concluir essa crônica.
Voltando às Bodas de ontem. Tenho convicção que aqueles que prendem a ponta da gravata por dentro da calça dificilmente alcançarão o reino do céu. Muito menos aqueles que a deixam acima do umbigo, parecendo mais um babador do que propriamente uma gravata. É dose!
Não tenho nenhuma dúvida de que nada nos fortalece mais espiritualmente do que ter paciência com prolixos, estes mesmos que ao serem cumprimentados respondem explicando, nos mínimos detalhes, porque estão bem ou mal. E quando falam nos segurando ou apertando ou ainda empurrando, a certeza absoluta da nossa salvação é irreversível.
Mais uma das Bodas. Querem algo mais grotesco do que assistir ou conviver com pessoas que mascam chicletes e com a boca semi-aberta? E em plena festa? E, quando passam dos cinqüenta com a mesma mania, como ontem, aí é mais grotesco ainda. Vide o campeoníssimo técnico Abel Braga e tantos outros seguidores deste hábito tão “lindo”. Tenho a impressão que todo mascador de chicletes cumprimenta com aquela mão mole durante um aperto de mão, outro hábito que só Freud explica, além de constranger os de mão forte. Tive vontade de comprovar mas Thaïs não deixou.
Alguns vícios de vernáculo são, no mínimo, intrigantes. Refiro-me àquelas pessoas que quando falamos “´Muito obrigado” respondem com um “Imagina!” Imagina o quê, meu Deus? Não é implicância, juro. É algo intangível. Um despropósito, diria. Pior do que isso é quem se despede mandando um “beijo no coração”. Permitam-me: não há nada mais “démodé” nessa vida de meu Deus. Recebemos um ontem e temos certeza que foi sincero. Mas não muda minha opinião.
E por aí vai! Com ranzinzice ou sem ranzinzice, o importante é ser feliz. E eu sou!!!
*Carlos Eduardo Leão é médico e cronista