Escutar mal é viver num eterno jogo de adivinhação cujo prêmio é o silêncio, ora constrangido ora mal humorado, das pessoas ao seu redor. Eu e mais da metade do mundo escutamos mal. Não é charme, nem rebeldia sensorial. É fato!
Escutar mal parece ser um crime hediondo na minha casa, mas que ainda não dá cadeia. Um divórcio, talvez.
Basta eu soltar um “o quê?” inocente e pronto: minha mulher já revira os olhos com a velocidade de um nistagmo da labirintite e minhas filhas bufam como se eu tivesse acabado de impedi-las de conectarem-se com o Wi-Fi da vida.
Antes de continuar, um detalhe que caracteriza as minhas quatro adoráveis mulheres (com uma quinta a caminho!). São todas impacientes. Dessas que sofrem de intolerância crônica a qualquer coisa que dure mais que 10 segundos.
— Você precisa de um otorrino! Frase repetida diariamente por, pelo menos, duas delas. E Júlio Pinheiro já me disse que ainda não está na hora daqueles chiquíssimos microaparelhos auditivos controlados pelo celular. Talvez uma lavagem nos ouvidos e eu me livraria desses insuportáveis protestos!
— Pai, pega o carregador pra mim!
— O quê, filhinha?
— Paaaaiiiiii, PE-GA O CAR-RE-GA-DOR!
E eu fico ali, entre o “carregador” e o “carregador de quê?”, porque pode ser do celular, do notebook, do bom humor… que está claramente descarregado.
Minha mulher, então, é uma especialista em falar comigo da cozinha, geralmente com o exaustor ligado e uma distância segura de cinco cômodos. Acha que minha audição é telepática.
— Cadu, traz o meu celular! Ela grita.
— O quê? Respondo
— ESQUECE!
“Esquece” é o ponto final da paciência alheia. A declaração oficial de derrota emocional. Quando ouço esse “esquece”, sinto que falhei como ouvinte, marido, pai, cidadão, medico e torcedor do Fluminense.
A sala de TV, pra mim, é uma espécie de calvário contemporâneo. Durante o “Pingo nos Is” realizo meus treinos de técnicas avançadas de leitura labial já que o volume permitido por elas gira em torno de 2 numa escala de 0 a 10.
Já tentei explicar: Não é que eu não queira ouvir, é que meu ouvido é vintage, não tem Bluetooth com o mundo moderno. Mas ninguém liga. Acham que eu uso isso como desculpa. Como se fingir que não ouvi fosse mais divertido do que realmente não ouvir.
Outro dia minha filha mais velha e também mais impaciente perguntou-me algo. Não entendi. Ela repetiu, estressada. Não entendi de novo. Na terceira vez, ela mandou:
— Né nada não, pai, deixa pra lá! Esquece! Você não entende nada mesmo!
E fiquei ali como se fosse um experimento fracassado da evolução.
Mas cá entre nós: escutar mal também tem suas vantagens. “Não ouvir” os chatos da vida, “não escutar” parentes falando abobrinha sobre política, permite-me, com toda dignidade do mundo, dizer:
— O quê? Não entendi nada!
No fundo, acho que escutar mal é uma defesa natural do corpo contra o excesso de bobagens sonoras do dia a dia. O problema é que ninguém vê desse jeito. É só mais um “o quê?” que não devia estar ali.
Mas eu continuo firme, vivendo bem, sendo feliz. Ouvindo mal, sim!. Surdo, não! Seleto, diria!
Cadu
Foi uma das crônicas mais deliciosas que já li. Traz em si a simplicidade coloquial relatando com perfeita exatidão não apenas fatos, mas toda a ansiedade dos outros por resultados imediatos. E aí se situa outra questão: a diferença de postura e de mundos entre os mais jovens e mais velhos. E no caso da esposa, está linda senhora que conheço, o Marco não é a idade mas a evolução do convívio prolongado e suas metamorfoses
Adorei a observação de que o exaustor estava ligado
Cadu, vc é imbatível na sua ironia e no seu fino humor.
Cristina Ramos
Muito boa!…
Carlos Inácio
Sensacional Cadu !!! Imaginao a sua saga .. kkkkk
Marcos Menegazzo
Amigo, suas falas me representam.
Cadu, só agora li a sua crônica.
Só você mesmo para reproduzir uma situação desta.
Muito bom, me resta bater 👏👏👏👏
Bhering
O que nos difere é apenas a quantidade de mulheres.
Você 4, eu 3.
De resto, tudo na mesma toada.
Abraços
Reynaldo Figueiredo
Sensacional e com o seu perspicaz toque de humor .
Os homens se identificaram como o protagonista da crônica e eu como uma das mulheres com a nossa rapidez que é interpretada pelo público masculino como impaciência ou intolerância.
🤣🤣🤣🤣🤣
Cadu, sua crônica é hilária e ao mesmo tempo cheio de ternura. Ainda não estou necessitando usar os aparelhos auditivos, mas a experiência da vida me demonstrou que as vezes é melhor ter “ouvido de mercador” ou seja, só , ouve o que quer!!!kkkkkk
Sérgio Mascarenhas
Parabéns Cadu, excelente e criativo 👏👏👏
Parabéns Cadu! Leitura leve, agradável, divertida e interessante. E, claro, muito criativa.
Cido Carvalho
Perfeitissimo, Cadu! Tb sou vítima desse caos.
Roberto Pires
Cadu
Entendo seu sofrimento.
Sofrimento este cujo qual você contribuiu com uma teimosia ímpar.
Ponha logo este aparelhinho.
Fica fazendo pirraça que nem menino rabugento.
Ponha o aparelhinho e viva feliz.
Alfredo
Kkkk genial. Passo por isso diariamente tb. Mas pelo menos, hoje em dia, com 1 só. Hahahah
Lucas
Cadú, agradeço, de alma lavada, sua crônica. Elogia-la é desnecessário e repetitivo. Depois do 1o. Parágrafo, chamei a Edite para lermos juntos. Ela pensou que fora eu quem a escrevera… Teve uma duvida: quem é a proxima mulher em sua familia? Fica a pergunta. Felizmente ela estava ao meu lado, e escutei sem precisar do meu multi repetido “o que?”… Abraço alvinegro!!! Evaldo
Uma observação: ainda bem que tudo aqui foi escrito. Caso contrário, seria uma sucessão de O QUEs????
Ótima coluna 😅😅
Henrique Radwanski
E., Talvez a hora tenha chegado…mas não se iluda:suas adoraveis mulheres(inclusive Laurinha)vao lhe criticar por estar “ouvindo demais”,”palpitando demais”,TV baixa demais e outros demais a mais. Mas os aparelhos sao libertadores.E vc ainda tem a opcao de retiralo-los quando o assunto não te interessa…isso sim e escuta seletiva. !Estou te esperando no Consultorio.
Abraco Cadu
Julio Pinheiro
Muito bom Cadu!!
Kkkkkk, muito bom!!!
Me reconheci em vários pontos do seu texto!!!
Acho que vc tem razão: com a idade a audição fica seletiva (aos decibéis? ) e a paciência das pessoas ao nosso redor só diminui, proporcionalmente!!!!!!
E daqui a pouco será “Surdo e com início de Alzheimer. !……♡
Mucio Leão
Fazer graça da própria dificuldade com tanta leveza e inteligência é coisa de mestre!
André Auersvald
CADU
PERFEITO RETRATO DE NOSSA VIDA !!!
VIVO SEMELHANÇA.
A AUDIOMETRIA MOSTRA QUE OS SONS AGUDOS SÃO MENOS SENSÍVEIS ( CAPTADOS) PELO CÉREBRO, QUE OS GRAVES. ESSE É O DIAGNÓSTICO QUE NENHUMA DELAS ENTENDE.
QUANDO CHEGUEI EM CASA E MOSTREI O EXAME, A SEGUIR , SENTAMOS PARA ALMOÇAR E NEILA FALOU PARA O NOSSO GENRO : DIEGO PEÇA A ELE PARA PASSAR A SALADA, PORQUE VOCÊ ELE OUVE!
VAMOS EM FRENTE SORRINDO E VIVENDO BEM!!!
BEIJOS 💚❤️💚❤️
Benjamim
Maravilha meu amigo estamos iguais. Alem disso os neuronios demoram um pouquinho mais pra se conectarem kkkkkkkkk👍👍👍🍷🍷
Bozola
Maravilha CADU.!!!
Luís Alberto Leite
Hahahahahha adorei! Sinto que vou pelo mesmo caminho.
O curioso é que as reclamações são sempre escutadas 😂
Lala vai ser paciente! Ela promete que o choro dela vai ser sempre ouvido pelo vovô
“Esquece” é o ponto final da paciência alheia!”…sensacional, Dr Leão, sensacional…!
Francisco
Bom dia meu camarada!
Prefiro conversar contigo por aqui.
Hoje em dia, principalmente no meu consultório eu repito sempre a mesma frase: “as pessoas andam muito ansiosas “…
Ocorre que o cliente chega no consultório, você tenta uma anamnese e logo ele, cheio de perguntas, quando fez a primeira, antes que você responda ele já fez outras duas…
Ou o que é pior, ele mesmo dá duas ou três respostas…
Aí, eu com aquele sorriso maroto repito esta minha frase…
As pessoas andam mesmo muito ansiosas… Se você já tem as respostas deveria ter ficado na tua casa, e se elas não satisfizeram deveria guardar pela minha. Eu nem tenho a mínima pressa de te responder mas preciso ser suficientemente inteligente para lhe dar a melhor resposta afinal você está me pagando por isso!
Em casa também sinto que as minhas três mulheres, também falam um pouco mais baixo do que eu deveria receber como informação, são prolixas, e eu muito ocupado com os assuntos gerando dentro da minha própria cabeça não as escuto muito bem… Então o cérebro opta pela tal seletividade …
Também estou ainda fora da faixa de uso de aparelho auditivo e, creio que ele também não adiantará muito…
Então fica a velha frase… Coisas da vida.
Um bom domingo lhe deseja este “tricolor de segunda divisão”, que gosta muito de você.
Dan
Parabéns Cadu! Excepecional !
Mauro Deos
Ótima Cadu !
Vc conseguiu descrever de maneira muito real o que estamos passando nessa fase da vida !
Adorei os detalhes e exemplos de como uma pequena perda auditiva é encarada como uma amputação , pelo menos do órgão auditivo, e como temos que adaptar outros sentidos como a visão para “Ler” o que os lábios querem dizer …
Muito bom sou seu Fã
cação
Quase morri de rir com a sua crônica de hoje. Sensacional! Também estou assim… Grande abraço
Muricy
Caro amigo Cadu,
Essa saga é sobre a maioria de nós e, como você bem diz, a surdez seletiva tem suas vantagens.
Parabéns pelo texto e forte abraço.
Walter Pereira
😀😀😀😀😀
Bom dia,CADÚ.
Recebo com muita atenção,mas com alegria, as suas “informações “.
Eu vivo igual não com 4 ,mas com 3 mulheres.
Eu só te acrescento,que elas quando perguntam , já querem ,que saibamos o que ,ainda,está no raciocínio dentro do cérebro delas.
Aí fica fica difícil !!!!!
😀😀😀😀😀😀😀😀😀😀😀😀😀😀
Alex Wagner
Prezado dr Cadu , vc espera a quinta de suas ” adoráveis mulheres” . Entendo disso pois já tenho cinco há muito tempo…Então, o último período da sua “adorável” crônica (mais uma)de hoje aumenta minha admiração pela sua excelente plástica literária, permitindo-me saber q não estou sozinho nesse adorável tipo de convívio. Com o abraço de sempre JB Ardizoni Reis
Kkkkkk, cômico, como sempre.
Suas adoráveis mulheres te amam desta forma, fique bem tranquilo. Acho que não deve mudar em nada, nem usar o aparelho, pois diminuiria o glamour e o prazer de conviver com vc tal como vc é.
São momento cômicos , e não teríamos tantas “estórias” para contar não fossem estes episódios em que vc os protagoniza tão maravilhosamente bem.
Ótimo domingo, ótima semana para todos vcs.
Alex Meira
Bom domingo a voce Cadu e aos leitores,
Ouvir é mais que escutar com os ouvidos. É abrir o coração. É reconhecer que o outro existe.Que há beleza nas pequenas coisas e que há dor nos silêncios. Que há verdades que só se ouve quando se cala o próprio ego..
A pior surdez é a da alma, mas que se for vencida devolve ao homem o dom de ser verdadeiramente humano.
Osiris Martuscelli
Bom dia CADU! Parabéns pela excelente e engraçada crônica pois me vi nela, enfrentando os mesmos problemas que se tornaram desafios !rsrsrsrsrsr!😄😃
Sônia Saadi
Kkkkkk muitos de nós nos identificamos.
Excelente! Adorei.
Ticiano Cló
Caro Cadu, creio que a grande admiração pelas tuas crônicas e ,uma afetuosa amizade que nos une , me permitam a liberdade de dar um pitaco nos teus devaneios. Abstenha-se , meu amigo,do fato que faço parte da legião de mulheres impacientes que tens o privilégio de conviver e aprenda o segredo de uma vida surda feliz e com propósito. Quando uma das tuas fantásticas mulheres te solicitarem qualquer coisa siga os seguintes instruções: 1.se estiverem próximas , abra um sorriso, dirija seu olhar mais cativante e diga : podes repetir,por favor, meu amor que ( papai ou teu marido) está um pouquinho surdo ? Se elas estiverem distantes repita o mesmo procedimento depois de se dirigir até aonde elas estiverem. Verás que elas se sentirão muito felizes e nem se importarão se levastes ou não o carregador. Vai por mim , sempre melhor não escutar as palavras ditas do que o silêncio das palavras ausentes. Deixa elas bufarem , revirarem os olhos e serem impacientes. Faz parte do amor.PS: Ahe antes que me esqueça,Filmes com legendas grandes ajudam em alguns caso. Um abraço afetuoso pra ti e paras as tuas 5 gurias. Kitty
Adorei!
Crônica que reflete muitos lares!
Você não está sozinho!
Cris Linhares
Me identifiquei….eu tbm sou surdinha!😂😂
Daniele
Sensacional!! Viu, as vezes ” o que? ” tem suas vantagens!
Gisa
🤣🤣🤣🤣acho melhor procurar um bom otorrino e comprar o aparelhinho Dr. Leão. Qualquer dia o Cadu pode se dar mal pela escuta seletiva
Bom dia, caro amigo Cadu. Já passei pela fase do “o quê?” e do “hein?”. Hoje uso aparelho auditivo e estou bem integrado ao ambiente familiar. Graças a Deus. Grande abraço.
Me identifiquei completamente kkkkkk
Marcelo Maino
Bom dia! Excelente!
Confesso que vivo uma espécie de oposto da sua experiência! Escuto hiper bem , ao contrário da Olímpia , minha esposa , da Cristina minha cunhada e de D Teresa, minha sogra!
Pode ter certeza que a impaciência é uma variável independente da referente à acuidade auditiva, talvez ligada de alguma forma à variável XY!!!
Boa sorte e vamos vivendo ! Abraços Fraternos
Lincoln
Cadu. Bom Dia. Tô que nem vc. Um pouco pior. O lado esquerdo quase nulo. As conversas, tem que ser do lado direito. A vaidade ainda nao me permitiu usar o aparelhinho. Embora hoje sejam bem moderninhos. Escondidos. Abraços. Bide